Thursday, September 29, 2005

Palavras contadas ou a resposta a um desafio

Tantas coisas desejo da vida!

Desejar para mim
é poder,
é querer,
é ter.
É buscar a força em mim mesma
e percorrer este caminho que traço
em cada dia.
Amizade e Amor.
Alegria.
Liberdade.
Solidariedade.
Quem as não deseja?
Nunca perder a esperança.
Olhar para trás e não lamentar os anos passados
ou os anos perdidos.
As paixões que vivi
e as loucuras que cometi.
Afinal a perfeição é uma meta difícil de alcançar
e apenas mais tarde na vida,
atingimos o equilíbrio.

Dúvidas? Sempre as tive.
Honestidade, é algo que me faz falta no amor.
Amigos são coisa rara
(não há magia para os obter).
Amantes? São coisa cara.
Será que a paixão compensa
todo o desespero,
a saudade e o vazio
de uma relação proibida?

No meu sonho presente,
nas minhas fantasias sonhadas,
tudo é permitido.
E aí te encontras, amante e amado,
com o teu estilo de sedutor,
o teu discreto charme,
os teus olhos profundos.
No vazio da tua ausência
deixas um aroma de saudade
dos orgasmos e dos beijos
na penumbra das tardes.
Do meu passado recordo outros amantes
outros lábios
e outras mãos,
memória esbatida pelo tempo.

Tantas coisas procuro na vida!

A amiga que só agora alcancei
e que em cada reencontro
comigo partilha as alegrias e as dores.
Frente ao mar, as conversas escorrem pelas tardes,
o sol refletindo nas águas o arco-íris.
O sal entranha-se na pele
e a brisa é uma carícia que nos toca.

Falas-me das tuas viagens
de paisagens que nunca vi.
De céus com outras estrelas,
de lagos e montanhas,
de desfiladeiros que nunca vou atravessar.
Falas-me da vida e da morte.
Ensinas-me que há uma terra por descobrir.
E tantos frutos ainda por colher!

És a criança e a mulher
A minha fonte de equilíbrio.
E contigo reaprendo que o silêncio não pesa.
O que pesa é a ausência
e a morte.

O que pesa é o gelo que se sente na alma
por te saber morta - inatingível para mim -
mãe,
e nunca mais poder ouvir a tua voz.
Nunca mais me vais dar todo o teu saber
acumulado numa vida.
Nunca mais vais vestir as minhas bonecas.
Nunca mais me vais surpreender com o teu
riso inesperado.

A vida passou para ti
longa e dolorosa,
e na morte atingiste a paz.
Para mim ficou o vazio e uma imagem que quero apagar
- longos cabelos brancos, inerte, as mãos sobre o peito.
Esquecer que o teu corpo que me deu vida
apodrece agora pútrido sob a terra.
Só te quero recordar orgulhosa e feliz,
as tuas mãos no meu cabelo.

O que mais desejo da vida!

Um mundo sem guerra?
Impossível.

Quero os olhos sempre brilhantes dos meus filhos.
E a certeza de que são felizes.
Não de vidas côr-de-rosa, mas vidas plenas,
preenchidas com afecto,
amor e paixão q.b.
(porque não há vidas sem mácula!)

Será desejar muito da vida?

Tuesday, September 27, 2005

Contagem

Traço o tempo que se acumula
nas paredes do meu desejo
com rasgos de ansiedade
e de impaciência.
A ansiedade que nasce
de um tempo de espera
e a impaciência
que cresce
por esperar tanto tempo.
O meu desejo
vai-se assim
avolumando,
agrupado por dias,
resumido em horas e
minutos,
para no fim
ser vivido ... num segundo.

Monday, September 26, 2005

...

Nada garante que tu existas
Não acredito que tu existas

Só necessito que tu existas

MOURÃO-FERREIRA, David, Música de Cama, Presença, Lisboa, 1994, p.121

Sunday, September 25, 2005

Como uma fotografia

Gostava de poder guardar
o teu olhar,
o toque das tuas mãos,
a pressa do teu desejo.
Como numa fotografia,
guardar para sempre
o teu rosto
e o teu cheiro.
As tuas palavras.
E os gestos.
Porque o tempo desgasta
o amor,
corrói o desejo,
e o fim chegará.

Vais cansar-te de mim
- dispensar-me -,
e os dias vão tornar-se
cada vez mais lentos e pesados.
O desejo vai morrer
à medida que se esbate
o teu tempo de viver.

E vais passar ao meu lado
ausente,
um sorriso vago no olhar,
apenas nele a sombra de um
passado recente
que já não recordas,
soterrado o desejo que já não sentes.
Transparente de nostalgia.


Por isso gostava de
guardar o teu olhar,
o toque das tuas mãos,
o teu desejo urgente,
como numa fotografia.
Porque também tenho medo
que a vida os apague
da minha memória.

E quando por ti passar
um dia,
absorto e alheio,
nostálgico e ausente,
- vazio -,
um profundo soluço
vai brotar de mim.
Porque nesse momento serás
o recorte esbatido
de uma fotografia antiga
que não pude guardar.

Friday, September 23, 2005

De um amor morto

De um amor morto fica
Um pesado tempo quotidiano
Onde os gestos se esbarram
Ao longo do ano

De um amor morto não fica
Nenhuma memória
O passado se rende
O presente o devora
E os navios do tempo
Agudos e lentos
O levam embora

Pois um amor morto não deixa
Em nós o seu retrato
De infinita demora
É apenas um facto
Que a eternidade ignora

Sophia de Mello Breyner Andresen

Thursday, September 22, 2005

Dor

É uma dor que não quero aprofundar,
esta de te saber longe de mim.

Tuesday, September 20, 2005

Hoje

Hoje recordo
as palavras e os gestos.
As sensações e os odores.
Os sabores.
Palavras ásperas e doces.
Gestos de desejo e de posse.
Sensações de prazer e de ternura também.
Cheiro de homem.
Sabor a sémen e a sal.
Sob os meus dedos
ainda corre a tua pele,
e nos meus olhos
sinto o teu olhar.
Ontem tive-te.
Hoje recordo-te.
E fechando os olhos
possuo-te outra vez.

...

"(...) Os homens preocupam-se de mais com o tamanho do seu sexo e esquecem que são as mãos que lhes abrem as portas do nosso corpo (...). Não se trata de serem esguias ou fortes, grandes ou pequenas, mas sim sábias."

ALMEIDA, Germano de, As memórias de um Espírito, p.313

Monday, September 19, 2005

Finalmente

Finalmente o teu corpo!
Em quantas noites sonhado,
de mil formas desejado.
Conquistado.
Possuído.
Meu.

Saturday, September 17, 2005

Sonhos

Há já mil horas que sonho
com uma vida sem mentira,
com um amor verdadeiro,
com um futuro de liberdade.

Há já mil horas que sonho
em libertar-me
da obrigação
de fazer o que não quero,
de dizer o que não penso,
e de ouvir o que não desejo.

Há já mil horas que sonho
em levantar voo
e correr outros céus
e viver outras vidas.
Ser Eu, verdadeira,
sem estas máscaras que se colam
ao meu corpo
e das quais não consigo
(não posso)
libertar-me.

Quero
dizer não quando é não,
e dizer sim quando o desejo.
Quero tornar os sonhos possíveis,
e viver os desejos às claras,

mas há já mil horas que sonho
ser Eu,
e estou amordaçada pelo hábito
e calcificada pelo medo
de me enfrentar.

Friday, September 16, 2005

Perguntaste-me...

Perguntaste-me
se gosto de fazer amor
contigo.
Como responder-te?
Como responder-me?
Amor
pressupõe
sentimento
calor
reciprocidade.
(Como procuro amordaçá-los!)
E tu sentes amor?
Não é essa imagem
que me passas.
Não é calor o que eu sinto.
É fogacho.
Não é sentimento.
É teatro.
Não é reciprocidade.
É coincidência.
Adoro fazer amor contigo.
Há uma faísca,
uma empatia física,
um desejo em uníssono,
mas amor não.
Isto é querer acima do que eu quero,
desejar o que nunca vou conseguir.
É voar mais alto
por caminhos proibidos.
E tudo isto não é amor.
Porque amor
"é fogo que arde sem se ver"
e a minha racionalidade,
e a minha vontade
censuram-no, combatem-no.
Perguntaste-me se gosto de
fazer amor contigo.
Gostava tanto de te dizer que sim
meu amor.

Thursday, September 15, 2005

A fio

O tempo escorre.
Lento.
As horas parecem dias,
e os dias caem.

Ping, ping, ping,
como gotas persistentes,
Permanentes
Insistentes.

Perdidos.
Um a um.
O tempo escorre.
Lento.

Os minutos parecem horas,
e as horas...
ora deslizam,
ora se arrastam.

Como se numa passadeira
embrutecida,
entorpecida,
envelhecida.

O tempo escorre.
Infiltra-se na vida.

Cria brechas
que se estendem,
longas,
invisíveis.

Como raízes profundas
que persistentemente
se entranham
nesta terra que sou eu.

O tempo escorre,
e são sulcos que vinca
nesta terra,
que sou eu.

Brechas.
Marcas.
Perfis de um tempo que escorre
e não é água.

Um tempo longo
que deixa cicatrizes
neste Eu
que não é terra.

Wednesday, September 14, 2005

Xerazade

Levo já quase mil noites com fábulas
e a cabeça dói-me e tenho seca
a língua e esgotados os recursos,
a imaginação. E nem sequer
sei se me salvarei com as mentiras.

Amália Bautista, in Trípticos Espanhóis, nº 3, p.25

Monday, September 12, 2005

Amigo

Amigo é
gesto,
palavra,
dádiva.
É tristeza partilhada
e alegria repartida.
Amigo é a magia
que ilumina as nossas sombras.
Amigo é abraço.
Amigo é festa.
Amigo é dar e receber.
Amigo é também
o silêncio que não pesa
o pedido adivinhado,
e o gesto completado.
Amigo é encontro desejado.
É fonte que nos mata a sede,
é o calor que nos aquece.
Amigo é
esperança
é futuro
é estar presente
mesmo quando ausente.
Quem o tem?
Eu tenho-te a ti.

Saturday, September 10, 2005

...

Ver-te
e não te poder olhar.
Ouvir-te
e não ser para mim que falas.
Pressentir-te
e não poder virar a cabeça.
Dói. Dói fundo
saber-te ali,
sentir os teus olhos nas minhas costas
e nada fazer.
Nem um olhar
nem uma palavra
nem um sorriso.
Aquele olhar
aquela palavra
aquele sorriso
de que eu tanto preciso.
Sinto-me mal hoje.
Triste.
Com um nó na garganta.
Com uma lágrima fácil.
Sinto-me traída
nos meus sonhos.
Frustrada
nos meus desejos.
Frágil.
Só.

Friday, September 09, 2005

Sexta-feira

Diz-me,
diz-me qualquer coisa bonita,
porque hoje é sexta feira
e não te vi. E não te tive.
Uma sexta-feira diferente,
sem ti.
Nem palavras,
nem carinhos,
nem amor.
Assim nem parece sexta-feira!
Foi uma sexta-feira sem ti.
É por isso que preciso
que me digas uma palavra
doce,
que me ligues,
que me mandes uma mensagem,
que comuniques
nem que seja
por telepatia.
Porque hoje eu preciso de ouvir
uma palavra tua,
mas uma palavra de amor,
para que este dia se pareça afinal,
ainda que pouco,
ainda que mal,
com uma sexta-feira.

Sombra

Antes de sermos fomos uma sombra
Depois de termos sido que nos resta

É de longe que a vida nos aponta
É de perto que a morte nos aperta

MOURÃO FERREIRA, David, Quatro Tempos, p.61

Thursday, September 08, 2005

...

"(...) Mas ainda que possa distinguir o que é o prazer do sexo e o prazer da alma, na minha cabeça ambos se misturam e nem mesmo como um acto de sobrevivência quero o primeiro sem o segundo. Aliás acredito ser esse o traço distintivo da alma feminina e também um dos mais altos preços que se paga para viver como mulher".

ALMEIDA, Germano, "Memórias de um Espírito", p. 312/3

Tantas vezes quis ultrapassar isto. O prazer da alma e o prazer do sexo.
Dissociá-los, para que o meu agir faça algum sentido.
Para poder amar sem o peso do amor.
Para me dar agora, e depois ficar liberta. Sem saudades, sem a ternura dos gestos. Como um homem, afinal. Um desejo físico que se cumpre e depois mais nada. Limpo, prático, asséptico.
Mas não. Só à custa de muita frieza injectada em mim é que consigo uma pequena aproximação deste sentir. E isto é perder-me lentamente.
Porque com o sexo vem sempre a ternura.
Antes a empatia, depois o sonho.
Antes a sedução, depois a entrega.
Antes o desejo, depois a ternura. E a saudade. E a lembrança. A dôr que nasce da impossibilidade. Os sentimentos.
Era tão mais prático separá-los. Pô-los de lado - os sentimentos. Que nascessem apenas quando valesse a pena. Quando houvesse lugar a retribuição. Quando merecessem existir. E quando não, permanecessem como que desactivados, evitando-se assim a terrível realidade de nos sentirmos efectivamente, infalivelmente sós.

Tuesday, September 06, 2005

...

"Mas a sedução tem muitos caminhos e ele levou-me por quase todos. Em primeiro lugar foi o caminho das palavras, escritas, segredadas, ditas em tom de penitência, chegadas pelo telefone, mas sempre palavras de sedução e amor. Houve também o caminho dos sabores, do sabor acre do esperma, ácido do vinho tinto, persistente do queijo ou salgado do suor. E houve o caminho da dor, tantas dores: da separação, do ciúme, da impossibilidade, da raiva, do desacerto em que tantas vezes se desencontraram os nossos sentimentos. Faltou apenas o caminho da música, aquela música que para sempre nos trará a lembrança do outro e que nos deixará sem fôlego e de olhar perdido num infinito de emoções e memórias".

ALMEIDA, Germano de, "As memórias de um espírito" Caminho, Lisboa, 2001, p.316

A sedução! Aqueles momentos ímpares de excitação! O prazer da conquista! O deleite de ser conquistada! Este texto refere bem os passos que tão bem conheço. O caminho das palavras - segredadas, tão esperadas - inesperadas, porque em qualquer momento e a todo o momento. O caminho dos sabores - o sémen e o suor; e o dos odores - o seu cheiro que persiste na pele e que é tão gostoso de sentir. O caminho da dor - o ciúme, tão difícil de ultrapassar - impossibilidades - tantas!! Impossibilidade de te encontrar sempre que é minha vontade, impossibilidade de te tocar sempre que me apetece, impossibilidade até de te ver - quando de início nos encontrávamos em todas as esquinas. O teu cheiro, encontro-o pelas ruas, mas não és tu que passas ao meu lado.
Difícil ainda é controlar as emoções, os sentimentos. Domar a minha vontade de te ver e ter, de te ouvir e de querer estar contigo. Estou a remar contra a maré - contra a minha maré - contra aquilo que sou, e o que apresento é uma forma aproximada daquilo que queres ter. Com emoções controladas, quereres domados, vontade domesticada. Um gostar de ti à tua semelhança. Porquê tudo isto? Amar-te sem amor, querer-te a horas certas, olhar-te com emoções contidas. Tudo faz parte da minha outra face. A primeira - a visível - tão certinha, a segunda - o avesso da primeira. A terceira? Outro Eu que não quero mostrar, mais emotivo, mais crédulo, mais verdadeiro. Impossível de se revelar.
Que confusão de mim!!

Monday, September 05, 2005

...

"Tempo houve em que a minha presença te prendia e os teus olhos não se afastavam de mim, escreveu a despedir-se, cabia-me olhar o relógio e fugir das palavras que se encadeavam em múltiplas teias que me tolhiam a vontade. Tempo houve em que não sabias despedir-te e vivias de inventar horas para nós. Agora os encontros são rápidos e as despedidas quase que distraídas. Mas este é o tempo em que a realidade teria de começar a ser assim, e estranho seria se o caçador continuasse a perseguir a caça transformada em presa. O caçador não é mau nem cruel, não mata nem fere os seres que persegue, simplesmente estes morrem para ele no momento em que se deixam transformar em presas ".

ALMEIDA, Germano de, "As memórias de um Espírito", Caminho, Lisboa, 2001, p.271/2

Sunday, September 04, 2005

De ... Pessoa

"Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.
Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção - isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos."

in Livro do Desassossego, p. 72

Saturday, September 03, 2005

De ... Fernando Pessoa

"Em mim todas as afeições se passam à superfície, mas sinceramente. Tenho sido actor sempre, e a valer. Sempre que amei, fingi que amei, e para mim mesmo o finjo"

in "O livro do Desassossego", Colecção Novis, p.174

Thursday, September 01, 2005

...

Quando me me vejo ao espelho quem vejo?
Vejo-me a mim e vejo-me a Mim. Porque tu és um prolongamento de mim (ou apenas um duplicado mal impresso...). A tua imagem é distinta, para os outros, dissimulada. Para a maioria invisível.
Como num espelho que distorce, sou eu que ali estou reflectida, mas os contornos são outros.
Como naqueles borrões que se fazem, dobrando a folha ao meio, mas este com a tinta mais esborratada - um borrão imperfeito.
Quando me vejo ao espelho, sei que também Tu lá estás. És um prolongamento de mim.
Como naqueles dias em que o céu e o mar se confundem num só, não se sabendo onde começa um e acaba o outro. Há uma linha invisível que os separa.
Também entre mim e Mim há uma linha de permeio - uma linha que se contorce. Umas vezes distende-se, outras vezes contrai-se.
Entre mim e Mim há duas vidas, mas um único sentir, um que transparece outro que se esconde. Sempre me dividi entre o certo e o errado (qual é qual?), entre a amargura e a euforia (um salto que me forço a dar...), entre o Príncipe Encantado e o Lobo Mau. Entre eu e Eu.
Penso que só na morte nos reuniremos, unindo-nos enfim nos meus despojos finais, agora já não precisando de uma Segunda Face.