Sunday, July 31, 2005

Des-ditas

Tenho que te dizer meu amor
que as palavras são precisas.
E não só os gestos.
E não só os afagos.

Tenho que te dizer meu amor
que fazem falta
também as palavras que te parecem
inúteis.

Aquelas que se dizem
fora do dia marcado,
fora do espaço escolhido,
fora do contexto do sexo.

Tenho que te dizer meu amor
que as tuas palavras fazem falta.
Mesmo que sem a eloquência dos dias marcados
Mesmo sem a força do momento certo,
e especialmente,
quando longe de ti.

Quando as semanas são
demasiado longas.
Os dias
sem ti
demasiado vazios.
As noites demasiado sós.

Quero dizer-te meu amor
que as palavras...
As palavras são para serem ditas
com eloquência,
no dia marcado,
no contexto certo.

Cruzadas com gestos e afagos.
Pronunciadas sob o impulso da urgência,
mas também
quando não se esperam.
Quando elas, e apenas elas
me fazem crer que ainda existes.

Saturday, July 30, 2005

"Aqui como em tudo o resto, a vida manifesta-se pela erosão do nosso prazer"

PENNAC, Daniel, "Como um romance", p.35

Se

Se eu fosse árvore
queria ser a tua sombra.
Se eu fosse água
queria matar a tua sede.
Se eu fosse vento
sopraria sobre ti a refrescar-te.
Se eu fosse sol
desceria sobre ti iluminando-te.
Se eu fosse fogo
aqueceria o teu coração
e abrasaria a tua pele.
Se eu fosse tua...
queria ser livre.
A espera pode ser motivadora ou
mesmo excitante.
Esta não.
É traiçoeira
e cheia de desilusões.
Passam os segundos
e os dias.
Os minutos
e as horas.
Os instantes
um a um,
e nem um som,
nem uma palavra.
Nada.
Apenas te imagino
e desejo.
Te sonho
e te revejo
em pensamento.
E espero
que me ligues,
que me fales,
que te lembres.
Que existo.
Para que a espera
não desespere.

Friday, July 29, 2005

Sonho

Olho bem fundo
nos teus olhos de mar
e aspiro o teu cheiro.

Embriago-me.
Dispo-te lentamente
sem a pressa dos minutos contados.

Quando a tua boca possessiva
se aproxima,
a minha está já sedenta de ti,
e as nossas línguas percorrem
os caminhos há muito desejados.
A tua pele desliza
húmida
sob os meus dedos famintos.

Toco-te.
Desejo-te.
Tenho-te.

E o tempo corre lento,
porque este é um tempo apenas
imaginado.

"Lembro-me de uma coisa que Bruno tinha dito: é sempre terrível ver um homem que se julga absoluta e seguramente só, porque há nele algo de trágico, talvez mesmo de sagrado, e ao mesmo tempo horrendo e vergonhoso. Usamos sempre uma máscara (...) mas nunca é a mesma, porque varia em cada um dos lugares que ocupamos na vida: a do professor, a do amante, a do intelectual, a do herói, a do irmão carinhoso.
Mas que máscara pomos ou que máscara resta quando estamos na solidão, quando cremos que ninguém, ninguém nos observa, nos controla, nos escuta, nos exige, nos suplica, nos intima, nos ataca? Talvez o carácter sagrado desse instante se deva a que o homem se encontra então diante da Divindade ou, pelo menos, diante da sua própria e implacável consciência".

SABATO, Ernesto, "Resistir", p.78

Thursday, July 28, 2005

"Persona" significa máscara, e cada um de nós tem muitas. Haverá realmente uma verdadeira que possa expressar a complexa, ambígua e contraditória condição humana?"
SABATO, Ernesto, "Resistir", D.Quixote, Lisboa, 2005, p.78
"No fundo, o prazer de foder não supera o de comer. Se fosse proibido comer como é proibido foder, teria nascido toda uma ideologia, uma paixão do comer, com normas cavalheirescas. O êxtase de que se fala - o facto de veres, de sonhares quando fodes - não é senão o prazer de morder uma nêspera ou um cacho de uvas".
PAVESE, Cesare, "O ofício de viver", in Almudena Grandes, Sete Mulheres, Edit. Presença, p.49
O meu abc:

A - amizade (a coisa mais importante do mundo)
B - beijo, boca (tão sensual que pode ser!)
C - cinema (faz-nos sonhar e viver outras vidas)
D - dúvida (sempre. ligada ao medo de tudo estar errado)
E - espera (do Príncipe Encantado, do Amigo)
F - fogo (é o que tenho na alma); filhas (o que de melhor tenho)
G - gosto (pela vida em geral e por algumas, poucas, coisas em particular)
H - homem (o homem ideal e impossível)
I - infiel, ilegal, impossível (uma trilogia infernal)
J - janela (que eu preciso para me abrir)
L - livros (a segunda coisa mais importante do mundo)
M - mãe, morte, mar (outra trilogia que cada vez mais me acompanha)
N - nariz (o meu, pois claro!)
O - ouro (nem tudo o que luz é ouro)
P - praia (onde sempre e de cada vez, renasço)
Q - quebra (de votos. quantas vezes!!)
R - raízes (os meus pais, que já não tenho)
S - sensações, sonhos (o outro lado de mim)
T - tudo, três (o mundo... e mais, e mais, e mais) (o meu número-fetiche)
U - uvas (o fruto do verão)
V - vida, vento, vitória (apesar dos ventos contrários, sempre viver a vida)
X - xadrez (o xadrez como um jogo de vida)
Z - zzz...zzz... (aquilo que faço todas as noites. uma óptima forma de fazer os dias correr)

Monday, July 25, 2005

"Nós homens somos uns pobres escravos dos preconceitos. Por outro lado, quando uma mulher decide ir para a cama com um homem, não há muralha que não trema nem fortaleza que não caia, nem nenhuma consideração moral que não esteja disposta a ser o seu fundamento: não há Deus que lhe valha"

GARCIA MARQUEZ, Gabriel, "Amor em tempo de cólera", p.351

Sunday, July 24, 2005

Deixa-me...

Amor,
deixa-me usar-te,
beber-te,
gastar-te,
reivindicar-te.

Tudo isto
porque o tempo urge.
As horas e os anos
passam céleres.

Tudo isto
antes que
te fartes,
te gastes,
te afastes.

Tudo isto
antes que voltes a amar.


As palavras

Quando a palavra é uma arma
pode ferir,
agredir,
magoar bem fundo.

Quando a palavra é o coração transfigurado
ela é bela e meiga como uma carícia.
Percorre-nos o corpo
de mansinho.
Aquece-nos. Derrete-nos.

Quando a palavra é sexo,
incendeia-nos.
Desliza violenta sobre nós.
Atiça-nos.
Faz-se prolongamento de cada acto.

Apenas ela
já é acção,
emoção.
Paixão.
Tesão.
Às vezes, desilusão.

Saturday, July 23, 2005

"O desejo, como antevisão do que tem que ser, já traçara os caminhos que o futuro oculta e a intuição adivinha"
ROSA, Luis, "O Terramoto de Lisboa e a Invenção do Mundo", Editorial Presença, 1ª Edição, Lisboa, 2004, p.24

Estou a chegar

"Estou a chegar"
O coração acelera, a excitação cresce.
Ouço os teus passos ligeiros
que se aproximam.
E chegas
com hora marcada.
O tempo do sexo.
O tempo exacto do sexo.
Uma luta gostosa.
Com violência,
com pressa,
com paixão.
Com hora marcada.
Sobra o desejo de outro dia.
O desejo do teu corpo,
A pressa de te possuir
sem hora marcada.
Com amor.

Friday, July 22, 2005

Sonha-me

Não tentes comprender-me
e não penses criticar-me.

Não tentes conhecer-me
e muito menos aconselhar-me.

Não tentes avaliar-me
ou mesmo prescrutar-me.

Porque nem eu própria me avalio
nem mesmo me compreendo.
Apenas me conheço
(bem demais).

Não me ames.
Deseja-me!

Nada me exijas.
Eu mesma dou!

Sonha-me,
que a sonhar eu vou!
Deixa

Deixa que te seduza a dentadinhas,
sente na pele as pétalas de rosa
que sabem ser seus lábios quando quer.
Escuta como chama e como cala,
entrega-te aos seus gestos, à ausência
de gestos, e derrete-te se podes
sem pudor, sem reparos nem vergonha,
perante o seu convite ou face ao teu.
Queima as normas de comportamento
e despedaça a boa educação,
estilhaça os costumes, reabilita
por uma noite ao menos a loucura.
Um último detalhe imprescindível
para que tudo saia em condições:
procura que não seja o teu marido

Amalia Bautista
"Quem sou? (...) É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo."

LISPECTOR, CLarice, Perto do Coração Selvagem, Relógio d'Água, Lisboa, 2000, p.20