Saturday, October 01, 2005

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"(...) - Nunca consegui perceber como é esse aparelho - disse.
Então ele explicou-lho a sério com o seu método magistral, enquanto lhe conduzia a mão pelos sítios que ía mencionando e ela deixava-o levar-lha com uma obediência de aluna exemplar. Ele sugeriu, num momento propício, que tudo aquilo era mais fácil com a luz acesa. Ía acendê-la, mas ela deteve-lhe o braço dizendo: "Vejo melhor com as mãos". Na verdade queria acender a luz, mas queria fazê-lo ela e sem que ninguém lho mandasse, e assim foi. Ele viu-a então em posição fetal, além de estar coberta pelo lençol, sob a claridade repentina. Mas viu-a segurar outra vez sem afectações o animal da sua curiosidade, virou-o do direito e do avesso, observou-o com um interesse que já começava a parecer mais do que científico, e disse em conclusão: "É tão feio, tão feio que ainda é mais feio que o das mulheres". Ele concordou e assinalou outros inconvenientes mais graves do que a fealdade. Disse: "É como o filho mais velho: passa-se a vida a trabalhar para ele, e na hora da verdade acaba por fazer o que lhe der na real gana". Ela continuou a examiná-lo, perguntando para que servia isto para que servia aquilo e quando achou que estava bem informada tomou-lhe o peso com as duas mãos, para concluir que nem pelo peso valia a pena e deixou-o cair com uma careta de menosprezo.
- Além do mais, acho que lhe sobram demasiadas coisas - disse".

GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel, "O Amor nos Tempos de Cólera, p.172